quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Marcos deixa legado e “causos” à nação palmeirense




O antigo, contemporâneo e mítico arqueiro do Palmeiras, o eterno “São Marcos”, será sempre lembrado no clube e também por todo o Brasil pela sua contagiante alegria, seu jeito debochado e também pelos muitos “causos” confidenciados à imprensa. Peço licença aos colegas para também contar meu “causo” com o goleiro. Ao estilo Nelson Rodrigues, sem a pretensão deste brilhante escritor, mas no que se refere à linguagem e à estrutura da crônica e ao estilo “Marcos”, no que se refere ao prosaico e à forma de “contar causos”.


Deixarei de lado a lista de conquistas e glórias do atleta. Este texto é um pouco longo, prosaico e apenas casual, não tem a obrigação de informar, mas descontrair e relata a minha admiração pelo maior ídolo recente da história do Palmeiras em um momento e local inusitado.


Minha história com o “Santo” aconteceu exatamente no dia 20 de dezembro de 1999, poucos dias depois de o goleiro do Palmeiras ter retornado da cidade de Tóquio, após derrota no Mundial de Clubes por 1 a 0 contra a equipe do Manchester United, da Inglaterra. Naquela ocasião, o arqueiro palestrino foi responsabilizado por grande parte da imprensa esportiva pela falha que resultou no gol do rival (depois assumida repetidamente por ele, mas que pouco importa aos palmeirenses de coração).


Na época, eu tinha 13 anos quando viajava de férias escolares com minha família. Estávamos indo para a cidade de Marília, no interior paulista, próximo à cidade natal do Santo, em Oriente. Meu pai e minha mãe decidiram parar em um tradicional posto de gasolina no Km 198 da rodovia Castello Branco.


Apertado para ir ao banheiro, saí em disparada assim que estacionamos. Eu me lembro que o banheiro estava cheio, pois era véspera do Natal. Tive de fazer xixi em um mictório no cantinho do banheiro, depois de muito esperar um lugar ficar vago. Nota: homens geralmente possuem uma estranha e preconceituosa mania, exclusivamente no mictório, de olhar para o lado com a preocupação de que o ‘colega’ não fique bisbilhotando “seu documento”. Pois é, caro amigo, quando olhei para ver quem poderia estar bisbilhotando “meu documento”, percebi a presença de um cara alto e careca ao meu lado, no mictório. “É o Marcos!”, disse, ridiculamente, em voz alta, típico de um adolescente. Logo me contive. Não consegui dizer mais nenhuma palavra. Ele olhou assustado, claro.


Fechei a braguilha da calça e lavei as mãos em tempo recorde. Nem mesmo o próprio Santo executaria aquelas ações em campo com tanta agilidade. Logo encontrei meu pai, que não gosta nenhum um pouco de futebol, do lado de fora do banheiro. Eu disse a ele: “Pai, você não sabe, mas o Marcos estava fazendo xixi ao meu lado”. Meu pai é um homem sério, de poucas palavras, mas de um senso de humor fugaz. Ele comentou: “E você não balançou para ele?”, sorriu. Na hora não me contive e caí na risada, enquanto procurava caneta e papel para o autógrafo.


Estranhamente, ninguém o havia reconhecido - mesmo no banheiro e no posto - e imagine que ele era um dos atletas mais importantes do país naquele momento. Minha mãe, mais desinibida que eu e meu pai juntos, tão logo providenciou o material – um verso em capa dura de um bloquinho de anotações do ano de 1999 - e aguardou a saída do ‘Santo mijador ou milagreiro’ do banheiro.


Quando ele saiu, eu não conseguia dizer uma palavra sequer, nem ao menos conseguia abordá-lo para pedir um autógrafo. Naquele momento tudo ficou sem som e só percebia minha mãe gesticulando e, em leitura labial, dizendo: “Vai lá, é sua chance!”. Senti como se tivesse que defender o pênalti do Marcelinho Carioca, nas semifinais da Copa Libertadores de 2000. Minha mãe, então, - que não sentia o peso de bater o penal - pediu o autógrafo ao Santo.


Com uma simpatia única, Marcos me disse exatamente com essas palavras: “Como você se chama? Vou escrever aqui [no bloquinho] para o meu amigo e fã Ricardo: Um grande abraço do goleiro Marcos do Palmeiras. Está bom?”. Neste momento eu continuava sem dizer nada e só balançava a cabeça afirmativamente. Indiretamente, o arqueiro sequer imaginaria que estava me ajudando a como lidar em situação de grande êxtase e a vencer minha timidez. Em velozes 20 segundos, São Marcos havia me dado uma aula de simplicidade, respeito e exemplo de personalidade.


Como jornalista, já o reencontrei e superei meu ‘trauma’, embora tenha o sonho de ainda entrevistá-lo. Jamais me esquecerei deste momento infanto-juvenil e do instante em que ‘tive a honra’ de fazer xixi ao lado do meu grande ídolo e heroi esportivo. Hoje me vi procurando aquele bloquinho de anotações quase em vão, quando percebi que as memórias e os gestos nos tornam seres humanos cada vez mais especiais e formidáveis, como Marcos sempre será – imperdível e inesquecível. Obrigado, Marcos Roberto Silveira dos Reis pelos “Santos ensinamentos” ainda que à beira do mictório.