quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Entrevista - Gilmar Ex-Goleiro do Palmeiras

ENTREVISTA

Leir Gilmar da Costa
(ex-goleiro nas décadas de 80 e 90)



Ricardo Datrino
(ricardodatrino@webdiario.com.br)

Nascido em Marília e hoje com 52 anos, Gilmar treina alguns garotos em uma escolinha de futebol em Osasco, na grande São Paulo. Além dessa atividade, ele se candidata a vereador pelo município, mas nessa entrevista ele conta somente os bastidores e as histórias além dos gramados. O goleiro brilhou na capital paulista primeiro defendendo a camisa do Palmeiras, por cinco anos. Anos depois jogou no Rio de janeiro atuando no Bangu. Gilmar é lembrado, principalmente, pela sua atuação no clube paulista, pois logo em seu segundo jogo ele teve de enfrentar uma prova de fogo que era o jogo final do Brasileirão de 1978 contra o Guarani, em Campinas, em que Leão foi expulso na primeira partida e não podia jogar a final. Nesta entrevista, o ex-goleiro relata o caso e conta como foi ter praticado grandes defesas, mas não evitado a derrota e perda do título nacional. Gilmar também conta do ‘confusão’ e a frustração que foi não ter sido convocado para a Copa do México em 86.

Em pesquisa via Internet, me chamou atenção o fato de ter encontrado uma figurinha com uma foto sua sendo vendida à R$ 3,00 por um torcedor que mora em Fortaleza. Como você vê a sua ‘imagem’ tão bem valorizada? É um preço muito superior, não? Isso se pensarmos que cada figurinha custa em média dez centavos. Claro que é uma brincadeira, mas o que você acha desse episódio e como vê a sua imagem, propriamente dita, junto aos clubes em que jogou?

A gente, que foi jogador de futebol, é como você estudante, ou jornalista, é uma mera circunstância. Você nasce com o dom e vai jogar seu futebol. A gente sabe que o glamour do futebol envolve as pessoas. A pessoa está aqui em São Paulo e está toda hora vendo [os atletas], mas quem mora lá no Ceará, na Paraíba, dificilmente vê a pessoa de perto. Então, isso passa a ter o que? Um valor de mercado. Então, essas figurinhas quando saíram lá na década de oitenta, né? Saíram em algumas figurinhas de chiclete - era um álbum e tal-, teve a sua valorização. Trinta anos depois, quem ainda tem isso - e a gente que continua na mídia fazendo alguma coisa - existe aquela valorização muito natural com os grandes astros. Lógico que em pequena escala, não como Maradona, Sócrates e Rivelino, mas estes caras tiveram também seu papel importante dentro do futebol. Como o futebol movimenta muitas pessoas, a valorização dessa figurinha foi legal [risos] a gente se sente até meio... é uma maneira muito honrosa de você receber uma homenagem porque você vê que uma simples figurinha consegue movimentar algumas pessoas e criar uma situação como essa.

Como é a sua relação com o público torcedor que mora distante desses grandes pólos como é São Paulo e Rio?

Assim: de vez em quando eu encontro algumas pessoas e, como a gente viaja muito, é muito legal. O povo de fora é como o de São Paulo também, mas como eles têm uma dificuldade em ver, quando eles vêm, eles criam um clima. Eles querem tirar foto. Teve um dia que eu fiquei fazendo um jogo em São Paulo, de máster, e entrou um cidadão e disse: ‘Cadê o Gilmar, cadê o Gilmar? Eu sou da Paraíba e eu falei para a minha mãe que um dia ia ver ele de perto’. Era um senhor de mais ou menos 40 anos e ele começou a chorar e aí eu peguei a luva e dei para ele. Então, o cara quase que teve um infarto na minha frente. Então, você vê a importância que eles dão para uma coisa que é o futebol. Eu não vejo dessa forma. Eu sou uma pessoa simples, né? Sempre cresci com o futebol, mas sou uma pessoa simples. Então, quando você vê uma coisa dessas é realmente muito emocionante e eu fico muito gratificado.

Como foi para você ter feito parte de um clube que tem uma tradição no país de revelar bons goleiros, no caso o Palmeiras?

Quando eu cheguei no Palmeiras, o treinador meu de goleiro era o Joaquim Valdir de Moraes (sic), que foi quem alavancou o treinamento para goleiros no Brasil. O titular era o Leão, que já era um grande goleiro. Já tinha vindo depois do Valdir de Moraes e do Oberdan [Cattani], que também foram grandes goleiros. Numa final, o Leão foi expulso e eles me lançaram na decisão contra o Guarani, em 78, e eu entrei e tive uma boa figura. Aí fui titular durante cinco anos no Palmeiras. Então, nós tínhamos ali aquela missa de que o Palmeiras sempre teve bons goleiros, então, recaia sobre a gente uma responsabilidade de ser um bom goleiro também. Então, a trajetória que nós tivemos no Palmeiras, que foi entre júnior e o profissional, que foi de mais ou menos 10 anos, sempre mantive uma regularidade e tive uma conotação também de ser um bom goleiro (embora você saiba que os goleiros nem sempre são perfeitos). Mas de um modo geral a minha passagem no Palmeiras, principalmente por ter o Valdir de Moraes como treinador foi muito boa, discreta, mas foi muito valiosa.

Gilmar, como foi ter trabalhado com o Émerson Leão? Gostaria que você contasse um pouquinho.

Quando eu cheguei no Palmeiras o Émerson Leão já estava na seleção e eu era moleque e vinha em ascensão. Eu confesso para você que a nossa amizade não era lá muito afetiva porque eu causava um incômodo a ele, uma vez que eu tinha sido campeão e bi-campeão nos juniores. A mídia dizia: ‘Esse aí vai substituir o Leão’. Então, ele se sentia incomodado, né? Até o dia em que eu estreei, ele foi lá me cumprimentou e falou: ‘Olha, boa sorte você chegou lá, você mercê, você ralou.’ Porque foi difícil. Eu fiquei na reserva dele dois anos até fazer um jogo. No dia em que eu fiz o jogo eles viram meu talento e o Leão foi transferido. Eu passei a ser o titular. Mas de qualquer forma, o início da minha carreira, quando eu tive um relacionamento com ele, profissional, foi muito bom. Em termos afetivos não foi tão bom assim até porque eu causava uma ameaça a ele.

O que você acha da atual geração de goleiros que o Brasil vem revelando?

Eu vivi duas épocas distintas do futebol, né? Na primeira eu não peguei aquela [fase] do Garrincha, que era mais antiga. Mas na minha época, você tinha goleiros como o Carlos da seleção, Taffarel, Valdir Peres, que era um bom goleiro. Hoje, o que manda, em termos de futebol, é Marcos e Rogério Ceni. Aparecem alguns aí também: Dida e Doni, que também eram, mas foram embora. Então, antigamente, não querendo ser saudosista, os times contavam com goleiros um pouco mais eficientes. Hoje, nós temos algumas limitações - até porque mudou muito. Antigamente, tinha que se agarrar as bolas e hoje eles rebatem elas. Mudou um pouco a dinâmica. Mas de qualquer forma, alguns clubes ainda têm grandes goleiros, que são os casos de Marcos e Rogério Ceni que são sem dúvida grandes goleiros.

Com estes altos e baixos da seleção e tendo realizado apresentações bastante contestadas, qual a sua opinião sobre os goleiros da seleção brasileira que hoje são convocados?

Os goleiros da seleção que hoje são convocados assim: primeiro a gente vê alguns bons goleiros do lado de fora e alguns que tem boa atuação, que é o caso do Doni, que está no Roma. Esse menino Renan e alguns goleiros que realmente tem potencial, tem o Julio César, que são grande goleiros. O problema é que, às vezes, nós temos um pouco de bairrismo. ‘Ah... vamos levar esse do Rio porque é do Rio, vamos levar aquele de São Paulo porque é de São Paulo. Ah, não leva o Marcos porque o Palmeiras, é verde, não vamos levar o Rogério Ceni porque ele é são-paulino’. Então, existem algumas desculpas que não convencem. E o garoto que é convocado, ele vai. Ele é convocado, tem que ir. Porém, na ótica da maioria das pessoas que trabalham com futebol, que é o meu caso, eu acho uma tremenda injustiça, um tremendo mau gosto, deixar goleiros como Marcos e Rogério Ceni fora da seleção. Mas eu sou apenas mais um atleta que tenta dizer. Aí dizem: ‘O cara não sabe nada, eles tem potencial’. Porém, existem situações políticas dentro de uma seleção que você sabe que algumas cartas, de qualquer forma, são marcadas e a gente tem que respeitar até mesmo porque eles são pagos para resolver aquele problema. Nós como torcedores hoje, e analisamos futebol de forma bem fria, eu vejo dessa forma. Existem ainda algumas injustiças lá dentro.

... Então você acredita que eles ainda possam ser titulares da seleção e...

Sem dúvida. Tem potencial hoje, pega o cara e: ‘Olha, vai lá, veste a camisa de titular e acabou’. O cara tem potencial, pelo menos esses dois casos. Eu sou suspeito para falar.

... Independente da idade?

Independente da idade. Eu joguei até os 43 anos. O Dino Zotti foi campeão na Itália com 41 anos. O [Peter] Shilton foi campeão mundial com 40 anos. Teve um goleiro da Irlanda que jogou até 50 anos. Então, a idade é de menos. Naturalmente, no país em que vivemos, que é o Brasil, ficou com uma certa idade já está velho para jogar futebol e isso em qualquer área. Chegou aos 40 anos está marginalizado, só que tem que rever os conceitos porque tem muita gente com 20 anos que já acabou também, [risos] não é? Não paira sobre ela uma responsabilidade maior. Eu acho que o jogador se ele está bem fisicamente ele tem que ser convocado independente da idade.

O que você acha dos goleiros do Palmeiras de hoje?

Hoje o Palmeiras conta com o Marcos... o Diego Cavalieri foi embora. Hoje vem um menino muito bom começando que é o Bruno. Então, o futuro do Palmeiras está em cima desses goleiros. Tem um mais novinho lá que o pessoal chama de Dida e é um moreninho e tal que também tem potencial e já vem das equipes de base e vem crescendo. Hoje, nós contamos assim: O Marcão recuperou a mão e está com a cabeça boa e tal. Eu estive conversando com ele há uns tempos atrás e ele disse: ‘Ah eu acho que vou parar porque o meu braço...’ Mas não [eu disse] ficou bom, vai recuperar [e você] está agarrando muito. Você jogar num time ganhador você joga, o duro é quando você está num time perdedor. Aí você envelhece e acaba sua carreira. Mas no caso dele especificamente...

...ele já passou por todos esse momentos, não?

Já passou, então, e hoje a experiência dele é muito importante, além de ser um cara carismático, todo mundo gosta dele. Por trás lá, também tem bons valores que a qualquer momento podem substituí-lo.



Gilmar, quem é um modelo de goleiro para você? Quem foi sua inspiração no início de carreira?

Quem me inspirou primeiramente, pelo biótipo, foi o Félix. Eu não era muito grande e nunca fui tão grande, em termos de estatura, e o Félix tinha 1,78 e 78 quilos. E achava que se eu chegasse nessa altura eu podia ser goleiro porque se o cara joga na seleção com essa estatura, por que eu não posso [risos]? Eu passei da estatura dele, de peso e altura. Eu atingi meu objetivo, mas quem me alavancou na época foi o Félix. Durante o meu trajeto, um dos grandes inspiradores (sic) foi, que eu até joguei contra quando jovem, o Belga e o [Rinat] Dasaev, aquele Russo, que eu joguei contra eles quando fui convocado para a seleção. Tive três convocações para a seleção e numa delas eu joguei contra eles [russos]. Aquilo me motivou muito. Eu vi aqueles caras jogando e, então, sempre tinha inspiração, embora o Brasil tenha tido grandes goleiros. A primeira inspiração minha foi o Félix, depois o Dasaev, aquele russo, que realmente era acima do normal.

Gilmar, agora para cutucar. Gostaria que você comentasse o jogo em que você foi expulso, após ter batido no jogador Ataliba, em 83, contra o Corinthians. Um jogo em que o Palmeiras acabou tomando uma das maiores goleadas sofridas por 5x1...

... Foi o jogo do Casagrande...

Qual foi a sua sensação? Como o atleta lida com isso?

Eu nunca tinha sido expulso até então. Aliás, foi a primeira expulsão. Nós já estávamos ganhando o jogo de 1x0 e, a gente sempre ganhava do Corinthians, eu sempre tinha boas performances. Só que eles fizeram um gol em que o juiz apitou, o árbitro apitou e continuaram a chutar. A torcida gritou, o árbitro abaixou e foi até o meio de campo. Eu já fiquei meio chateado ali. Naquele tempo, podia atrasar a bola para o goleiro e me atrasaram uma bola. Eu fui sair jogando e o menino ficou me peitando ali na frente, que era o jogador Alfinete, lateral direito, e não o Ataliba.

... Alfinete?

Isso, Alfinete, lateral direito. Bom... o Alfinete ficou na minha frente assim [de braços abertos] tentando não me deixar sair jogando. Aí, eu com a mão assim: [nas costas dele] e ele com a mão na frente me atrapalhando. Eu, caminhando, desferi um pontapé na canela dele só que eu não acertei, errei. Só que o juiz marcou a intenção do pontapé. Aí, ele veio, marcou pênalti e me deu o cartão vermelho. Na hora em que ele sacou o cartão vermelho eu fiquei com tanta vergonha que nem discuti. Eu arranquei minhas luvas e sai correndo para o vestiário. Não esbocei nem reação, fiquei sem reação. Achava que aquela reação de você ser expulso e ficar discutindo era pior. Peguei, fui embora e prometi nunca mais ser expulso, como nunca mais fui expulso.

... Era uma questão de moralidade, certo?


É... então eu pensei: ‘Eu fui expulso e o árbitro aplicou a regra.’ Ele foi correto, eu que dei o vacilo mesmo. Só que eu não podia ficar discutindo que ficava pior. Então, eu achei que o feio era ser expulso, mas feio ao quadrado seria discutir após ter sido expulso. Peguei, sai correndo e fui embora. Aí, entrou o João Marcos no meu lugar e o Casagrande fez três gols naquele dia, se não me engano. Acho que o Corinthians ganhou de 5x1.



Você já destacou um bom retrospecto contra o Corinthians. Gostaria que você comentasse seus bons momentos contra o rival.

Teve um jogo que eu estava com quase 40 graus de febre. O Mineiro [treinador] estava falando e eu tremendo falei: ‘Pô, não vou jogar, estou com amidalite. Vou falar para ele que eu não vou jogar’. Aí eu pensei: ‘Ah... não, mas contra o Corinthians? É no Morumbi? Eu vou, deixa quieto’.

... É a oportunidade de todo atleta, um clássico...

Aí, eu cheguei lá, aqueci e tal, dei aquela suada, melhorei, joguei e fui o melhor em campo. Tenho até hoje moto-rádio e o caramba. Ganhamos de 2x1. Foi até um dia em que a Tina Turner veio para o Brasil.

... em que ano foi?

Foi nos anos oitenta. Não tenho certeza se foi 80 ou 81. Tinha até um palco montado e torcedor de um lado só...

... Era [partida] válida pelo Brasileiro?

Acho que era Campeonato Paulista, não tenho certeza. Mas eu me lembro que nós ganhamos de 2x1 do Corinthians. Só que depois eu fiquei três dias de cama porque toda energia que eu usei no jogo eu gastei em campo. Aí, eu caí de cama e só fui voltar na quarta feira. Isso foi uma coisa marcante que foi uma coisa de superação. Mas o jogo mais marcante da minha vida foi 1x0 no Corinthians, em que nós ganhamos no Pacaembu, quando tinha lá 90 mil pessoas. O Corinthians era franco favorito com Sócrates, Palhinha, aquele timão que eles tinham, e nós entramos em campo com um monte de juniores e jogadores machucados, alguns acima do peso, mas nós ganhamos de 1x0 e eu agarrei no mínimo umas 40 bolas a queima roupa. Então, saiu no jornal, que nos últimos 20 anos, era a maior atuação de um goleiro que lá teve. Naquele dia, eu ganhei um rádio, uma televisão, uma geladeira, um moto-rádio... eu cheguei em casa e minha mulher perguntou: ‘Que isso?’ Eu cheguei e disse: ‘Fiz a feira’.

... Mobiliou a casa [risos]?

Mobiliei a casa. E eu estava sem contrato. No dia seguinte vieram em casa e disseram: ‘Vai, assina aí. Quanto você quer e tal?’. Porque no outro dia estava na página de todos os jornais. Então, foi um jogo histórico para mim por se tratar de um Palmeiras e Corinthians e a gente ter ganho o jogo com uma atuação que, na conotação dela [mídia] foi a maior. Eu acredito também que agarrei tanta bola por sorte. A bola batia na trave e em mim e não entrava. Isso marcou muito.

Gilmar, qual a diferença de ter jogado no Bangu e no Palmeiras?

Olha, em termos de tradição...

Por que são duas escolas diferentes, não? A paulista e a carioca...

Em termos de tradição, você jogar no Palmeiras tem todo aquele glamour. ‘Pô, jogou no Palmeiras, é jogador do Palmeiras’. Quer dizer: você tem o status e a tradição. Jogar no Bangu, na época, financeiramente era melhor. Porque o dono do time era o Castor de Andrade, que era um bicheiro. E tudo era em dinheiro. Então, eu cheguei um dia e me deram uma caixa. Eu pensei que era a caixa do tênis para eu treinar, quando eu abri era uma caixa cheia de dinheiro. Aquele dinheiro que eu ganhei, eu ia demorar no Palmeiras dez anos para ganhar e lá eu ganhei num ano só. Então, o Castor de Andrade era um cara assim. ‘O Gilmar, você vai para São Paulo? Eu te dou a passagem. Eu tinha um negócio [uma passagem] de avião que era ele quem me dava e eu voltava a hora em que eu queria. Então, eu saí do Palmeiras e quem me levou para lá foi o Moisés que jogava no Corinthians. Eu jogava e ele [Moisés] falou ‘Ei, tem um cara no Palmeiras que agarra muito bem’. Ele me levou para o Bangu e o Castor me aceitou. Então, jogar no Palmeiras eu tinha status e glamour, jogar no Bangu eu tinha a tradição do Bangu lá ...

... mas também tinha dinheiro na bolso....

Também tinha dinheiro no bolso. Tive que trocar o glamour pelo dinheiro e acho que fiz a coisa certa até porque na época me ajudou bastante.

Você pode destacar, então, o melhor jogo que você fez? Foi esse contra o Corinthians, não é?

Foi esse contra o Corinthians, correto.

Esse que você destacou ter sido à noite...

1x0.

... foi inesquecível...

Foi inesquecível. Inclusive esse jogo deve ter em algum lugar, na Internet.

Como foi a missão de segurar o Guarani no Brasileiro de 78? Como você se sentiu após ter batalhado muito, mas não ter conseguido de fato assegurar o título. Você acha que foi bom para o seu amadurecimento ou você se culpa hoje?

Não, não. Assim: até então, eu estava no Palmeiras esperando uma brecha para jogar e o Leão não saia. Nesta final ele foi expulso. Para mim, independente de ser [ou não] campeão, porque todo mundo queria ser campeão porque queria o dinheiro, eu queria jogar porque ia ser o meu primeiro jogo. Então, a minha preocupação o que que era? Não era nem o dinheiro que eu ia ganhar, se eu fosse campeão, era minha estréia e eu tinha que ter um bom papel. Então eu falei: ‘Se eu entrar e fizer um bom papel, eu tô dentro, se eu for mal, estou fora.’ Então falaram: ‘O Gilmar, vem cá, vem pôr a roupa’. O Leão usava Azul. Nesse dia, quem viu esse jogo da final, eu estou com a bordô porque eu falei: ‘Eu quero uma diferente, eu quero ser eu’. Aí, me deram uma camisa bordô e eu joguei com ela. Então, aquele jogo mesmo perdendo de 1x0 (em que o Beto Fuscão foi atrasar a bola, o Careca roubou e caixa) eu fui o jogador considerado um dos melhores em campo. No dia seguinte eu fiz o contrato e, a partir daí, joguei cinco anos pelo Palmeiras. Mesmo com a derrota, foi um jogo que e guardo com carinho porque foi [o jogo] que me alavancou para o futebol. Eu entrei numa fogueira: ‘Pô, moleque’. Tinha 19 anos.

Esse jogo que você destaca, que o Palmeiras perdeu de 1x0, eu pesquisei a data e foi no dia 6 de agosto de 81. Como foi para você ter sido comparado como uma das melhores atuações e ser comparado hoje a Oberdan Cattani, Marcos? Como é ser colocado neste mesmo patamar que estes atletas são colocados hoje?

Na época quando eles falaram isso você está jogando. Por exemplo, hoje, você vê a coisa de outra forma. Hoje, eu não jogo mais e fico meio emocionado e comovido. Na época, eu achei muito legal, mas quando você estava no auge da carreira, você tinha assim uma certa resistência às emoções. Eu era mais forte. Hoje, eu sou mais sensível. Hoje, de vez em quando, quando eu vejo uma homenagem para mim eu balanço. Naquele tempo, aquilo fazia parte do meu dia-a-dia. Eu realmente, no dia em que acabou este jogo de 1x0, me deu um nó na garganta porque eu sabia que todo mundo ia correr em mim depois que acabasse o jogo. Porque foi muito na cara o que aconteceu. Você agarrar uma ou duas bolinhas tudo bem, mas quando você fala: ‘Eu fui pivô de uma catástrofe’... porque teve uma hora que o Sócrates dentro da grande área chapou, era gol certo, a área tem 3 metros, e eu cai no canto certo [defendendo a bola]. Ele falou: ‘P#%*’ e ficou na área ajoelhado reclamando. Tinha essa foto no jornal dele ajoelhado reclamando. Então, essas coisas marcam a gente. Eu era moleque, mas com o passar do tempo você vê que isso hoje ainda perdura. Quem é palmeirense se lembra e quem é corintiano fica put#. A Internet resgata isso. Isso é motivo de muito orgulho e satisfação [para mim].

No tempo em que você jogava no Bangu, em 84, você ficou frustrado por não ter sido convocado para disputar a Copa do Mundo de 86, no México, após ter sido pré-relacionado pelo, então, técnico da seleção Telê Santana? Você pode descrever como foi ter recebido esta notícia?

Naquela fase final o Bangu disputou final de brasileiro, disputou final de carioca e na época os caras falavam: ‘Quer ir pra seleção, vai pro Rio’. Então quer dizer: eu já estava no Rio e o time estava na final com moral. O Bangu estava 40 partidas invicto e eu disse: ‘Essa é a hora certa’. Quando veio a convocação, o seu Telê não me levou e ele era muito amigo meu. Diz o Valdir Joaquim de Moraes que ele confundiu com o Gilmar que um tempo estava fora, na Arábia, e [o Telê] falou: ‘Mas era o mesmo nome’ e o Valdir falou: ‘Não, era o nosso do Bangu’ e ele [Telê] convocou o outro Gilmar que estava na Arábia. Então, por ser homônimo, diz o Valdir que foi isso, não sei se foi essa a história, ou então, o Bangu, por ser Bangu, não tinha handicap para que um dos seus jogadores fizesse parte da seleção.

Você diz pelo cenário, pela representatividade...

É. Entre um cara do Palmeiras e do Bangu, você vai pegar o cara do Bangu? Só que ninguém esperava que o Bangu fosse chegar na final com o Coritiba. Dois times sem expressão nenhuma, mas que chegaram na final superando grandes times como o Internacional, Flamengo e Palmeiras.

Como você vê o atual panorama político do Palmeiras? Você tem algum candidato que você simpatiza, que você não goste na diretoria... Como você avalia?

Rapaz, lá no Palmeiras eu conheci todo mundo. Eu cheguei lá eu tinha 14 anos. Seu Hugo Palaia, Serafin Del Grande, seu Mustafá Contursi, que antigamente tomava conta das piscinas, seu [Afonso] Della Mônica, seu [Roberto] Cipullo. Todos eles eu tive uma amizade muito afetiva, por ter crescido lá dentro. Como eu não podia vir para Osasco todo dia, eu morava na Vila Pompéia e passava a maior parte do dia dentro do Palmeiras. Então, eu cresci ali dentro. Quer dizer: dos meus 14 aos 25 anos - era onze anos que eu fiquei ali dentro. Então, aquilo me deu uma amizade muito grande lá dentro. Hoje, então, que o Palmeiras quer fazer esse novo estádio existe algumas rejeições lá dentro.

Eu queria que você comentasse, inclusive, um pouquinho sobre o Arena.

Existem problemas, mas o Palmeiras é um clube grande e merece um estádio que comporta um lugar de modernidade. Essa modernidade tem que vir. Às vezes, a modernidade traz algumas divergências, ou seja, não é todo mundo que gosta da modernidade. Alguns são conservadores, mas o Palmeiras merece e tenho ido ao Palmeiras, constantemente, e tenho acompanhado que existe aprovação da maioria, mas existem ainda algumas situações que não concordam. De qualquer forma vai prevalecer a maioria.

As brigas também ocorrem porque é um custo alto as instalações do Arena, certo?

É um custo alto e é complicado o negócio. Mas eu acho que o Palmeiras, por ser o Palmeiras, hoje poder contar com essa massa alviverde eu acho que eles conseguem.

É difícil hoje não é Gilmar você dissociar esse lado de ter jogado no Palmeiras e falar não: ‘O correto é não fazer uma Arena porque é muito caro para o clube...

Não tem como. E hoje em dia está tudo evoluindo. O Palmeiras está lindo. Só que alguns departamentos que estão arcaicos, estão antigos, desde o tempo que eu estava lá. Tem lugares que você vai lá e o ladrilho é o mesmo de 40 anos atrás. O Palmeiras requer uma modernização e a Arena quando vier vai ser perfeita.

Vai ser boa para a Copa...

Opa, independente de quem estiver lá dentro. Existe lá o Hugo Palaia, o seu Cipullo, os caras estão lá, o seu Della Mônica e eu sempre vou lá e falo com eles, mas é complicado. Eu acho que a maioria vai concordar porque é uma modernização e não tem como correr da modernização. Já é moderno lá, fizeram algumas coisas e tal, já mudaram as cores da camisa, já tem algumas modificações. Acho que caminha para isso daí mesmo.

Você gostaria de comentar alguma coisa sobre a sua trajetória no Palmeiras?

A trajetória no Palmeiras eu digo assim: ‘No Palmeiras eu cresci lá dentro’. Tudo o que eu aprendi como atleta, como ser humano, porque na época de adolescente, eu devo ao Palmeiras. Foi onde aprendi tudo. Era um menino simples que saí do bairro do Jardim Santo Antônio [em Osasco]. O Marqueti me viu jogando pelada nos campos, fui para lá com 14 anos e me tornei um profissional. Então, eu fiz a minha vida em cima do futebol e o Palmeiras foi a equipe que me alavancou. Cheguei lá novinho e aprendi tudo ali. A gente, que é profissional, aprende uma série de coisas, até educação.Você aprende uma série de coisas que vai fazer de você um cidadão independente de ter uma profissão que é jogar futebol. O esporte me ensinou muito em termos de assiduidade, comportamento e cultura. Conheci vários países através do esporte e isso foi de grande valia na minha formação que é o que eu tento passar hoje para os garotos que eu treino, que é muito importante você ser um atleta, mas acima de tudo ser antes um cidadão com todas as qualidades necessárias.