Colaboração para o Diário de S. Paulo
Como tem sido o trabalho de cunho social com o objetivo de garimpar possíveis talentos musicais?
Quando recomecei a vida, com 64 anos, como maestro, decidi procurar excelência musical aliada à responsabilidade social. Com isso, comecei um trabalho com 45 jovens de 16 anos da periferia procurando sempre pessoas interessadas
O senhor desenvolve ainda outras atividades...
Criei recentemente o projeto “O Brasil é uma Orquestra”. Começo escolhendo 45 jovens em cada estado brasileiro, baseado no exemplo da minha orquestra. No final de um ano, os 26 estados brasileiros terão 45 jovens tocando a mesma peça regida pela internet simultaneamente em um telão. Daqui há 10 anos estarei com 80 anos e perceberemos que cerca de mil orquestras serão formadas no país. Precisamos criar esse estímulo tendo em vista os países emergentes. Dentre esses países, a China ganhou a liderança no desenvolvimento e massificação cultural. Se os outros países emergentes não acompanharem o que a China está fazendo haverá um abismo. Os diamantes que tocaram comigo estão prontos para tocar em qualquer orquestra do mundo e isso deve ser estimulado.
Qual a maior dificuldade ao “talhar o diamante”?
Você deve chegar para a criança e perguntar quanto tempo ela pode estudar por dia. Qualquer período de tempo que ela disser está bom para o músico. Se ele disser 20 minutos, está bom. A partir daí, criamos uma disciplina e em nenhum dia essa criança estudará menos ou mais do que os 20 minutos estabelecidos por ela. Logo, ela vai dizer que quer aumentar esse tempo para 40 minutos, por exemplo. O estímulo é desenvolvido pela paixão ao que se faz. Hoje, todos meus alunos estudam no mínimo 3h50 e no máximo 4h10. O primeiro passo é criar disciplina, o segundo passo é criar a alma do poeta. E isso se consegue apenas com amor à música. Neste ano, chegarei aos 200 concertos e sempre o que penso é em estimular o espírito do artista.
O Jean William [jovem tenor paulista] descoberto pelo maestro João Carlos seria esse talento que tem a alma alimentada...
Sim. No dia 21 de dezembro, levarei esse jovem talento para começar a estudar no Scala de Milão, na Itália. Ele deverá fazer história no Brasil e ser um dos sucessores naturais do Pavarotti. Brinco com ele, mas peço calma. Tenho também um “diamante” estudando no New York University, que toca violoncelo, e outros mais. Isso se chama momento certo na hora certa. O cantor Jean William, que vai para o Scala de Milão, ganhou uma bolsa de U$ 42 mil por ano para estudar e torço pelo sucesso e os sonhos dele.
Como o samba enredo da Vai-Vai em sua homenagem tem impactado na vida do maestro?
Quando lancei o Jean William cantando ópera junto à bateria da Vai-Vai, apareceu a ideia do samba enredo da escola para o ano que vem. Em evento que reuniu o atual ministro da Cultura [Juca Ferreira], comentei sobre a escola fazer um enredo baseado na música clássica. Naquele instante, percebi que a expressão musical está alcançando a democracia dela. Ela está conseguindo atingir todos os segmentos. Quando ouço o samba unido à música clássica vejo que algo está certo. O trabalho é junto das comunidades carentes e morros e a música passa por todas as classes.
Qual a sua análise sobre os trabalhos sociais que envolvem música erudita na comunidade de Heliópolis?
Tenho muito respeito pelo trabalho realizado em Heliópolis. É maravilhoso, mas quando a orquestra sinfônica viaja trata-se de uma orquestra em Heliópolis e não da comunidade porque há vários profissionais dentre os jovens que estão iniciando. O projeto é bárbaro. Eles têm uma sede, educam os garotos, a orquestra possui músicos da favela, mas não são 70 músicos apenas da favela.
Qual ganho a música teve com seus trabalhos junto aos internos da antiga FEBEM, atual Fundação Casa?
Há uma cena em um vídeo que gravei que me emociona muito, de um jovem que recebeu a liberdade em uma segunda-feira e disse ao pai que ficaria preso mais 3 dias para poder dizer obrigado pela música ter transformado sua vida. É emocionante. Trabalhei com sete diamantes da FEBEM, que já saíram e no Natal passado mandaram cartas para a Casa agradecendo pela dedicação. É a possibilidade da inclusão pela música.
Em breve um filme será lançado sobre a sua biografia...